quinta-feira, 24 de setembro de 2009

De que valem os tapas de luva figurados?
Face os golpes de mão nuas literais
De que vale a elegância,
essa forma pertinente de existir,
quando o obrigatoriamente gratuito
torna-se mero gratuitamente obrigatório?
aí tanto faz,
entre o que é feito porque se gosta,
e o que se gosta por que é feito...
O que se pode fazer é guardar aninhado entre os braços
esse ovo cheio de nada que é o amor
protegido uma casca feita de cuidado e reconhecimento
Pode ser que ele dure.
o que suporta ao tempo
há de o acompanhar
o que vem a ser, segue
segue a vida
Pode ser que não dure.
Há os que queiram ser
e ficar é a natureza do que é
ficam as lembranças
que carregam em sua face o preço de não ter compreendido o devir
o ritmo em que caminha o tempo
É possível que o tempo não tenha um companheiro
Mas ele prossegue sozinho
Por mais que tenha ensinado-nos a andar
Jamais precisará de bengala

sábado, 1 de agosto de 2009

Ela é linda
e é linda porque sangra
também fere
também sangra
e faz-se a marca
que delineia nos corpos
os contornos do amor
Alma não tem língua
pois a vida não tem gosto
A vida tem dor
afetados são os viventes
livres desse sonho infantil e adulto demais
de vida insípida
Vida sem serenidade
é garimpar
com uma peneira grossa demais

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Não se irrite você
com o que pode encontrar
em meu olhar perdido
os olhos podem perder-se
pois no peito
há certeza
desconhece o vacilo
o coração se encontrou
chama os olhos para dentro
quer mostrar seu sorriso

sábado, 25 de abril de 2009

A cada dia nosso
A cada gesto seu
Brota do amontoado de especulações sobre a vida,
guardadas no quarto em que guardo tranqueiras,
um ramo de vida
e ele sai pelas frestas da porta
a florir toda a casa
antes que eu saia para a rua
deixa sobre meus cabelos
algumas flores
que me acompanham
perfumando o caminho
lá fora
fora do nosso mundo
e essas flores meio anjos da guarda
meio fotografias três por quatro da carteira que eu não tenho
Me lembram que há sim alguém
que está lá, como eu, de peito aberto
e que mais à noite quando voltar
num abraço, dessa maneira
nossos corações poderão se tocar

quarta-feira, 15 de abril de 2009

O ruim não necessariamente está errado
Para ser ruim
não carece necessidade
é coisa da língua
não da cabeça
e para isso temos
o consolo
para convencer as almas contrariadas
pois as explicações só convencem teorias
se faz necessário ter algo
em que se segurar
e o tempo
até onde se sabe
não tem rabo
O gosto travestido em valor
Cedo ou tarde
Há de ter, na boca, um gosto amargo
Mais amargo que uma segunda feira
depois de um domingo que azedou
O valor é
só se for
O gosto é
por si só
Um o que seria bom
Outro o que vicia
Não seria então a farsa uma tragédia
e tampouco a tragédia uma farsa

domingo, 12 de abril de 2009

De todos os prazeres
O prazer mais raro
é o prazer de servir
raro que é, salta os olhos.
alguns chamam estranhamento
aguns preferem inveja
E a luxúria de servir
causa extase máximo
e a alma deixa a carne livre para ser só carne
não se sabe se a alma realmente se retirou
ou se escondeu-se para observar
num ato voyerista e deleitoso
a carne ali solitária
e sincera protagonista
como se fossse um teatro doentio.
Talvez se algo passar dos limites ela intervenha
se estiver lá...
é, se estiver...
e mãos se enchem de corpos e almas
Eos olhos da rua viram.
ele fisgou o anzol
alguns preferem lutar
outros se agradam com a ideia de sair da água
e sufocar lá fora
devem supor que o nada seja mais longe um pouco
ou então são como tabagistas que tem certeza que vão morrer e continuam fumando
Lembrete importante:
Quando for necessário
Se imponha
Quando não for mais necessário se impor
viva
Furor pela manhã
Alma convulsa, atordoada
corre no vazio a esmo
desejo incontido de conter o fluxo
que dançantemente se contorce, e mina exuberante
sem aviso e sem porquê
flui
risomáticamente flui
flui
dementemente
flui
de lugar nenhum para lugar qualquer
E como o sol, se lança em abundância sobre a terra
sobre os transeuntes
que tem que caminhar
e cruzar a nado até a outra margem
gostem de água ou não
pois é líquido o terreno
E quem quer avançar que se molhe
e quem quer prosseguir que se queime
O sol é impiedosamente alheio
aprender a gostar ou viver a contra gosto
para fazer o gol é necessário driblar
com beleza, ou eficiência
não importa
não há remédio, há zagueiros
Há de se conter o fluxo
e o romantismo vulgar do gênio martirizado pela própria genealidade
será uma aposta muito cara
para martirizados só há dignidade na história, o céu burguês
só se vive em primeira pessoa
estão mortos os personagens
Há de se domar o fluxo
Há de se nadar
se contra ou a favor
não sei
Mas há de se nadar
para não ser tragado
Aventurar-se nessa densa imersão
Avançar nessa rasa surperfície

sexta-feira, 20 de março de 2009

Compenetrada se curva
a imaginação
Grava a sangue na tela
o esboço da vida
arrisca os primeiros traços
da sonhada obra-prima
Mas o tempo a visita
todos os dias
Aos poucos revela
não há ensaio para a vida
nem moldura ou platéia
É só esse rascunho
À procura do para que nasceu
para ter nascido valer a pena
Cria rugas o pensamento
E os fios da alma
tramam os nós de carne
da tensa corda
nos ata
porto seguro, rotina
E contra a luz se lavanta
e se projeta sombra
Silhueta da vida
Antes do acima de tudo
que venha o acima de mais nada
E a vontade de verdade fica para trás
vai rolando e mergulha na poeira da estrada
Ou render-se a vida
Ou a chantagem da história
Nada tem de pequenas
as coisas fundamentais
Pequeno é o espaço
reservado a elas
O fundamental é imenso
Mesmo que a cegueira seja maior
o ócio querido é descanso
o ócio forçado é tédio
o acaso feliz é sorte
o acaso sem jeito tragédia
saudade só pode-se ter
do que agora perdido já é
pelo olho
que foi lá no horizonte
e não viu
conchinhas aqui na beira
Velas abertas em calmaria
Âncoras lançados em alto mar
Vem a náusea com o balanço
ondulantes circunstâncias
angustia ao sabor das ondas
Está sem rumo e sem lugar
Procura algo que ocupe as mãos
isso apenas
enquanto não
ache o que ocupe
o coração
Uma esfera com duas faces
Prazer e leveza face peso e dor
toca-se o prazer com leveza
toca-se o peso com dor
rola a esfera
fundem-se as faces

terça-feira, 17 de março de 2009

Hoje eu fui feliz
Vi ternura em quase tudo
que olhei
Acho que que ela escorre
da boa vontade
dos nossos olhos
E a vida está aí
Não está dita está posta
O que queres dizer?
Do não dito e já posto
Como dar de comer?
A esse mundo só seu
Com esse fruto caido
Assim tão perto do pé
quer o que não tem
ser o que não é
dar o que é seu
ganhar o que perdeu
ver o que não há
parar a proseguir
deitar quando de pé
regar o que encruou
mas a carne compele a alma
e a vida pulsa sem permissão
e se tudo torna-se tão distante
resta ainda
o ao alcance das mãos

sábado, 14 de março de 2009

a criança se cansa, torna-se jovem
o jovem se cansa, torna-se adulto
o adulto se cansa, torna-se velho
e o velho
ao olhar para trás
vê só juventude,
não se cansa mais.
descanso mesmo
só na morte
Veja você
Aquele rapaz
Gratuitamente
escolhe agradar
De tanto lançar gentilezas ao vento
Até o vento lhe retribuiu
a mesma maneira, sem nada cobrar
Quando se depara
Com o que só torto funciona
Se lembra do anzol e se faz pescador
se curva, se quebra, se dribla, se cria
Mas na vida mesmo sempre anda reto
Não entende o que diz
a palavra render-se
para essa multidão de reféns de si mesmos
e humilde que é
malandro ficou
E há quem diga até
não agradar-se com o tom
Já estão, de arrogância, desafinados
E a canção não parou
E a banda ainda passa
Quem não sabe dançar
esperneia

quarta-feira, 4 de março de 2009

Ensaiaram os lábios
Mas a voz não saiu
Temia parecer pretenso
Mas revel ao medo, brotou o assunto
E o que é só senso
Na fala se faz extenso
E o tropeço da língua proclama
O medo tinha razão
O que não carece falar, falado é fala demais
e querer parecer obscuro é só gana de profundidade
mas aquele que dribla o ouvido, e os olhos e as muralhas de letras
e que chega ileso no peito
para onde encaminhou-se direto
Esse digo , sim é profundo
pois é claro e simplório o que é terno
Acende-se a brasa da esperança
Queima também na outra ponta a brasa da insegurança
Nesse medo da vida a segunda é que avança
Nessa vida de medo contramão da esperança
Vida desssa maneira vai ficar só na ânsia
Muda tanto que não muda nada
É sempre o mesmo sempre a mudar
Talvez o jeito seja esquecer
Para fortuitamente se surpreender
Essa mesmice surpreendente
Essa surpresa que é sempre a mesma
Não deixa por isso de ser supresa
Resta sentir o que está escrito
Resta escrever o que foi sentido
Só se sabe mesmo depois de sabido

Sinapse

Pulsos elétricos se traduzem em dor
E a desgraça se dá assim como um milagre
Não tem explicação para ser
mais é assim mesmo sem explicação
E o sólido se desfaz
escapa por entre os dedos
O tempo passa
até permite um sorriso
Essa reação química que nos faz mostrar os dentes
Alguns chamam isso de felicidade
As coisas se quebram
As coisas padecem
Degeneram-se em éter
o mesmo éter de onde vieram
E tudo se liquefaz
E o homem se liquefez
Desaguou no mar
E lá está à deriva outra vez
Há um ponto onde a alma toca a carne
Há um ponto onde a carne toca alma
E o espírito extravasa pelas frestas da carne
que o aperta tenaz por entre suas fibras
E a grosseira matéria ganha cor, graça, sentido
Adquire um sentido o qual não possui
dando sentido assim ao que nunca terá
E o coração traduz o que os olhos só podem ver
Há um ponto onde a carne toca a alma
Há um ponto onde a alma toca a carne
O tempo passa
só sabe passar
Além de ser generoso com os que menos se ferem
Nada pode fazer
E para a vida torta não há clemência
E para a vida reta não há desculpa
E o que não tem solução solucionado está
E o que não tem precisão torto mesmo será

O homem cansado

Lá vai o homem, cansado
como se o cansaço o impulsionasse
está cansado de blasfêmias
esta faminto de sabor
não quer mais o lamento
quer o gosto
saborear a serenidade de seu espírito inquieto
e a inquietação daquele corpo sereno ao seu lado
quer viver, aliás não quer mais nada
vive antes de querer
só não quer parar