sexta-feira, 20 de março de 2009

Compenetrada se curva
a imaginação
Grava a sangue na tela
o esboço da vida
arrisca os primeiros traços
da sonhada obra-prima
Mas o tempo a visita
todos os dias
Aos poucos revela
não há ensaio para a vida
nem moldura ou platéia
É só esse rascunho
À procura do para que nasceu
para ter nascido valer a pena
Cria rugas o pensamento
E os fios da alma
tramam os nós de carne
da tensa corda
nos ata
porto seguro, rotina
E contra a luz se lavanta
e se projeta sombra
Silhueta da vida
Antes do acima de tudo
que venha o acima de mais nada
E a vontade de verdade fica para trás
vai rolando e mergulha na poeira da estrada
Ou render-se a vida
Ou a chantagem da história
Nada tem de pequenas
as coisas fundamentais
Pequeno é o espaço
reservado a elas
O fundamental é imenso
Mesmo que a cegueira seja maior
o ócio querido é descanso
o ócio forçado é tédio
o acaso feliz é sorte
o acaso sem jeito tragédia
saudade só pode-se ter
do que agora perdido já é
pelo olho
que foi lá no horizonte
e não viu
conchinhas aqui na beira
Velas abertas em calmaria
Âncoras lançados em alto mar
Vem a náusea com o balanço
ondulantes circunstâncias
angustia ao sabor das ondas
Está sem rumo e sem lugar
Procura algo que ocupe as mãos
isso apenas
enquanto não
ache o que ocupe
o coração
Uma esfera com duas faces
Prazer e leveza face peso e dor
toca-se o prazer com leveza
toca-se o peso com dor
rola a esfera
fundem-se as faces

terça-feira, 17 de março de 2009

Hoje eu fui feliz
Vi ternura em quase tudo
que olhei
Acho que que ela escorre
da boa vontade
dos nossos olhos
E a vida está aí
Não está dita está posta
O que queres dizer?
Do não dito e já posto
Como dar de comer?
A esse mundo só seu
Com esse fruto caido
Assim tão perto do pé
quer o que não tem
ser o que não é
dar o que é seu
ganhar o que perdeu
ver o que não há
parar a proseguir
deitar quando de pé
regar o que encruou
mas a carne compele a alma
e a vida pulsa sem permissão
e se tudo torna-se tão distante
resta ainda
o ao alcance das mãos

sábado, 14 de março de 2009

a criança se cansa, torna-se jovem
o jovem se cansa, torna-se adulto
o adulto se cansa, torna-se velho
e o velho
ao olhar para trás
vê só juventude,
não se cansa mais.
descanso mesmo
só na morte
Veja você
Aquele rapaz
Gratuitamente
escolhe agradar
De tanto lançar gentilezas ao vento
Até o vento lhe retribuiu
a mesma maneira, sem nada cobrar
Quando se depara
Com o que só torto funciona
Se lembra do anzol e se faz pescador
se curva, se quebra, se dribla, se cria
Mas na vida mesmo sempre anda reto
Não entende o que diz
a palavra render-se
para essa multidão de reféns de si mesmos
e humilde que é
malandro ficou
E há quem diga até
não agradar-se com o tom
Já estão, de arrogância, desafinados
E a canção não parou
E a banda ainda passa
Quem não sabe dançar
esperneia

quarta-feira, 4 de março de 2009

Ensaiaram os lábios
Mas a voz não saiu
Temia parecer pretenso
Mas revel ao medo, brotou o assunto
E o que é só senso
Na fala se faz extenso
E o tropeço da língua proclama
O medo tinha razão
O que não carece falar, falado é fala demais
e querer parecer obscuro é só gana de profundidade
mas aquele que dribla o ouvido, e os olhos e as muralhas de letras
e que chega ileso no peito
para onde encaminhou-se direto
Esse digo , sim é profundo
pois é claro e simplório o que é terno
Acende-se a brasa da esperança
Queima também na outra ponta a brasa da insegurança
Nesse medo da vida a segunda é que avança
Nessa vida de medo contramão da esperança
Vida desssa maneira vai ficar só na ânsia
Muda tanto que não muda nada
É sempre o mesmo sempre a mudar
Talvez o jeito seja esquecer
Para fortuitamente se surpreender
Essa mesmice surpreendente
Essa surpresa que é sempre a mesma
Não deixa por isso de ser supresa
Resta sentir o que está escrito
Resta escrever o que foi sentido
Só se sabe mesmo depois de sabido

Sinapse

Pulsos elétricos se traduzem em dor
E a desgraça se dá assim como um milagre
Não tem explicação para ser
mais é assim mesmo sem explicação
E o sólido se desfaz
escapa por entre os dedos
O tempo passa
até permite um sorriso
Essa reação química que nos faz mostrar os dentes
Alguns chamam isso de felicidade
As coisas se quebram
As coisas padecem
Degeneram-se em éter
o mesmo éter de onde vieram
E tudo se liquefaz
E o homem se liquefez
Desaguou no mar
E lá está à deriva outra vez
Há um ponto onde a alma toca a carne
Há um ponto onde a carne toca alma
E o espírito extravasa pelas frestas da carne
que o aperta tenaz por entre suas fibras
E a grosseira matéria ganha cor, graça, sentido
Adquire um sentido o qual não possui
dando sentido assim ao que nunca terá
E o coração traduz o que os olhos só podem ver
Há um ponto onde a carne toca a alma
Há um ponto onde a alma toca a carne
O tempo passa
só sabe passar
Além de ser generoso com os que menos se ferem
Nada pode fazer
E para a vida torta não há clemência
E para a vida reta não há desculpa
E o que não tem solução solucionado está
E o que não tem precisão torto mesmo será

O homem cansado

Lá vai o homem, cansado
como se o cansaço o impulsionasse
está cansado de blasfêmias
esta faminto de sabor
não quer mais o lamento
quer o gosto
saborear a serenidade de seu espírito inquieto
e a inquietação daquele corpo sereno ao seu lado
quer viver, aliás não quer mais nada
vive antes de querer
só não quer parar